José Luís Carneiro, deputado do PS e que foi adversário de Pedro Nuno Santos nas eleições diretas do PS no final do ano passado, diz em entrevista ao Expresso que contribuirá para que o secretário-geral do PS tenha “condições” para disputar umas próximas eleições legislativas
(entrevista originalmente dada ao Jornal Expresso em 24 de outubro de 2024)
Cauteloso quanto ao futuro, José Luís Carneiro não se põe fora de uma nova corrida ao cargo de secretário-geral do PS, mas não agora. Para o deputado, que deu uma entrevista ao Expresso depois da Comissão Política Nacional do PS, Pedro Nuno Santos deve ter condições para ir a novas eleições legislativas.
O excedente que o Governo de Costa deixou está a facilitar a vida a Montenegro?
Sem dúvida. Estes sete meses foram de distribuição dos dividendos do saldo orçamental sem uma solução estrutural e, ao mesmo tempo, uma execução do orçamento do que era do PS.
O PS não foi vítima da estratégia de deixar vários sectores descontentes?
Não, não. Havia um quadro de uma legislatura, com uma justificada legitimidade reforçada que dava condições de estabilidade. E havia um trabalho iniciado para promover uma reforma das carreiras e das retribuições das carreiras especiais, nomeadamente das forças de segurança.
Se facilita a vida a Montenegro, dificulta ao PS atual?
Olhemos para a proposta do Orçamento do Estado, que é injusta e irresponsável.
O PS deve apresentar o aumento extraordinário de pensões?
As prioridades do PS resultarão das opções do secretário-geral e do diálogo com o grupo parlamentar.
O resultado da estratégia do secretário-geral foi do seu agrado?
Fez bem em ter proposto à Comissão Política Nacional a abstenção. E fazê-lo por razões políticas. Criar uma crise política neste momento teria efeitos nocivos na vida nacional.
Mas isto foi decidir sabendo que o Chega vota contra…
A posição que tive na campanha não foi a posição vencedora. Sei perder e aceitar a legitimidade de quem decide. Sempre entendi que não deveríamos deixar nas mãos de um partido que se afirma contra o sistema a decisão vital da vida do país. Se não houver diálogo entre os dois partidos, que garanta continuidade, sustentabilidade e firmeza nas opções de política pública, o que estaremos a criar é condições para que a extrema-direita, possa procurar minar as fragilidades do Estado para atacar o próprio sistema democrático.
“Voltar a ser candidato? Não posso autolimitar a minha liberdade, autonomia e direitos enquanto militante”
Concorda com Eurico Brilhante Dias que diz que os resultados da negociação foram poucochinhos?
Não é o Orçamento que o PS apresentaria. Tem uma dimensão de injustiça e de irresponsabilidade, em relação à receita e à despesa, que mereceriam uma apreciação crítica e um voto contra do PS, mas as circunstâncias políticas do país e a avaliação política da constituição do Parlamento levaram a que o PS tivesse adotado a abstenção. E tivesse contribuído para a estabilidade do país.
O que o SG disse e a sua doutrina não são coincidentes. Mantém a sua ideia de que o PS não deve deixar que o Chega seja parte do poder?
Não são incompatíveis. Aliás, como se verificou agora, porque a posição final acaba por ser coincidente. No meu entender, não devemos permitir que o Chega determine a solução política para o país.
O secretário-geral disse que para o ano não ia entrar em negociações prévias. Concorda?
Não se pode querer anular a oposição porque o Governo se instala numa posição de pedestal até ao fim da legislatura. O Governo tem que fazer um exercício de construção das soluções de governabilidade. No próximo ano falaremos. É cedo para estarmos a antecipar calendários.
A sua doutrina de que os democratas não devem deixar que seja a extrema-direita a entrar no poder vale para os quatro anos?
O Orçamento é injusto e é irresponsável. E estou capaz de afirmar que o Governo vai demonstrar que é também incompetente em várias áreas. A partir de agora vai ter uma responsabilidade acrescida porque vai governar com o seu próprio Orçamento e o PS deu-lhe condições. Daqui por um ano, estaremos em condições de avaliar a capacidade e as competências do próprio Governo.
Defende que a legislatura deve ir até ao fim?
Temos que avaliar o que é mais adequado ao interesse do país.
Deste processo orçamental ficam feridas dentro do PS?
Do meu ponto de vista, não.
“Quem concorrer à câmara do Porto é para ganhar e isso constitui uma limitação às funções de natureza nacional”
E a posição do secretário-geral sobre o direito à opinião dentro do PS?
Não me senti nada constrangido. Exerci o meu direito de opinião no grupo parlamentar e na Comissão Política e pude também partilhar com o secretário-geral e continuarei a exercitar a minha liberdade.
O secretário-geral do PS deve ir até às legislativas, independentemente, do resultado nas autárquicas?
É uma avaliação que o próprio tem que fazer, em função dos resultados. Mas entendo que o secretário-geral deve ter condições, e para isso contribuirei, para se submeter a eleições legislativas.
E o objetivo do PS nas autárquicas, qual deve ser?
Manter a maioria na ANMP e na Anafre não é um objetivo suficientemente ambicioso. O PS deve ter mais ambição, nomeadamente em conquistar mais capitais de distrito e bater-se por subir nas áreas urbanas: ganhar Lisboa, ganhar Porto, ganhar Coimbra, ganhar Setúbal, ganhar Braga e batermo-nos em outras capitais de distrito, como Évora, Bragança ou Santarém. Mas isto não é uma fasquia — é ter ambição de ganhar.
Qual a sua disponibilidade?
Já me disponibilizei aos dirigentes do partido e estou disponível para integrar uma equipa de preparação das autárquicas.
Isso implica que já não está disponível para ser candidato autárquico?
A questão das autárquicas deve articular-se com a dos Estados Gerais. Temos de adaptar a renovação programática a políticas de habitação, transportes, mobilidade, cuidados de saúde primários, inclusão e escola pública e isso só é possível aplicar com o envolvimento das autarquias.
Quer ser candidato ou não? Já ouvimos a possibilidade de ser candidato ao Porto e até a Lisboa.
As questões não se colocam nesses termos. Primeiro, há as dimensões programáticas e depois há as condições para as candidaturas. Já fui autarca e gostei imenso. Mas sinto-me muito bem no grupo parlamentar. Estou disponível para as funções que o PS entender e nas quais tenho competência para estudar e desempenhar. As pessoas só podem ser candidatas onde tenham alguma da sua vida e tenho vida pessoal e familiar no Porto há muito tempo e tenho também a minha vida pessoal em Lisboa. Agora, também acho que não faz grande sentido ser candidato a Lisboa. Quer a Mariana Vieira da Silva quer a Alexandra Leitão têm todas as qualidades para serem belíssimas candidatas. E no Porto, falou-se no Manuel Pizarro e do Fernando Araújo. Estamos perante quadros de elevadas qualificações cívicas, profissionais e políticas e que servirão os valores do PS nas autarquias.
Imaginemos que era candidato ao Porto e vencia. Isso não o impediria de ser de novo candidato à liderança?
Quem concorrer à Câmara do Porto é para ganhar. E, ganhando, isso constitui uma limitação às possibilidades do desempenho de funções de natureza nacional.
Então qual é a sua vontade?
Entendo que não devo ficar condicionado pela vossa pergunta e portanto não quero responder neste contexto.
Prescinde do direito de voltar a ser candidato a secretário-geral?
Não posso autolimitar essa minha liberdade e essa minha autonomia, nem os meus direitos enquanto militante do PS. Mas quero que fique claro que tudo farei para que o secretário-geral Pedro Nuno Santos seja bem-sucedido nos seus objetivos.
Falou-nos há bocado da sua doutrina que todos os democratas têm o dever de evitar que a extrema-direita chegue ao poder. Neste contexto atual, o que é que isso significa?
Significa que nós devemos colocar no centro das nossas prioridades políticas a construção de condições para o diálogo, evitar uma linguagem de enquistamento, uma linguagem que radicaliza as posições e que nos conduza para a procura das soluções que permitem desbloquear soluções de política pública…
Isto implica que não se deixe ser o Chega a viabilizar orçamentos?
Deixe-me dizer que concordo com a posição que o secretário-geral afirmou, que o PS não pode condicionar as suas posições pelas posições do Chega. O Chega toma as suas posições, de acordo com as suas condições. O PS tem a sua autonomia e afirma a sua autonomia em função das opções concretas de serviço ao país.
O que o secretário-geral disse e a sua doutrina não são coincidentes. Mantém a sua ideia de que o PS não deve deixar que o Chega seja parte do poder?
Não são incompatíveis. Aliás, como se verificou agora, porque a posição final acaba por ser coincidente. No meu entender, não devemos permitir que o Chega determine a solução política para o país. Porque quando o determinar, então estaremos em condições de não conseguir impedir que possa determinar a vida política futuro.
Isso não significa que o PS vai ter de se abastecer nos próximos 4 anos?
Estamos a avaliar o que irá acontecer no futuro.
Quando o OE de 26 chegar, o Presidente da República não vai poder dissolver. Qualquer crise orçamental que decorra daí só poderá ser resolvida com eleições no início do verão de 2026. Seis a nove meses de paralisação. Essa ponderação deve levar o PS a abastecer-se mais uma vez?
Estão a dedicar-se a um exercício de perspetiva…
O princípio da estabilidade vale hoje como vale daqui a um ano…
Ganhámos com maioria absoluta e o Governo caiu. Há uma imprevisibilidade política que faz com que esses exercícios muitas vezes depois sejam ultrapassados pela realidade. Depois de termos fechado um exercício estarmos a fazer um exercício de natureza equivalente…
Quem o fez foi o secretário-geral que disse que para o ano não ia entrar em negociações prévias. Concorda?
Há aqui algo com que eu tenho também que manifestar a concordância com o secretário-geral. Quem tem que procurar construir as soluções para garantir essa maioria no Parlamento é o Governo. A oposição tem que contribuir para o exercício do escrutínio dos compromissos do Governo e apresentar alternativas. Não se pode querer anular a oposição porque o Governo se instala numa posição de pedestal até ao fim da legislatura. O Governo tem que fazer um exercício de construção das soluções de governabilidade.
O Governo agora vira-se para o PS.
E o PS correspondeu.
Na prática, ainda não lhe ouvimos uma crítica forte do secretário-geral. Como é que este benefício da dúvida tem dado a Pedro Nuno Santos pode ser interrompido?
Se manifesto concordância com esta abstenção é porque essa é a posição que eu tinha defendido. Entendi também que não se deveria anunciar que se votava contra o Orçamento sem o conhecer e sem depois procurar discutir sobre ele. Há neste momento algo já estrutural na vida política internacional: uma linha de polarização e de radicalização nas sociedades e essa linha de radicalização e de polarização atenta contra o Estado de Direito e contra as democracias pluralistas e liberais. Os democratas têm o dever de dialogar e de encontrar soluções para evitar que esses extremos da democracia se aproveitem desses bloqueios.
Mas isso que diz implica viabilizar o próximo Orçamento e todos até ao fim da legislatura.
Vamos aguardar, vamos aguardar.
Presidenciais: defende que o PS deve ter um candidato próprio.
O PS deve apoiar um candidato ou uma candidata do seu espaço político.
Não tem de ser militante?
Não tem de ser militante mas deve ser do espaço político do PS. E deve também ter um perfil de experiência e com provas dadas em diferentes funções do Estado. Mas tão importante quanto a qualidade do perfil e da personalidade deve ser a coesão que se consegue construir internamente no PS em torno dessa personalidade.
Mário Centeno tem esse perfil?
Não queria falar de nenhum nome concreto. Nenhum.
Porquê?
Para contribuir para que essa coesão se constitua em torno dessa candidatura. Se queremos construir uma coesão em torno de uma candidatura temos o dever de evitar fragmentar as opções.
Já falou da fractura no sistema causado pela emergência dos populismos da extrema-direita. Uma candidatura do almirante Gouveia e Melo pode ser estruturalmente perigosa para a saúde do regime?
Não constituirá a minha opção de candidatura. Mas respeito as suas qualidades humanas e enquanto militar e o contributo que deu para a saúde pública do país.
Mas, no seu entender, uma candidatura do almirante pode ou não dar corpo e representação, mesmo que ele próprio não o queira ou não peça, à pulsão populista do país.
Não o devo considerar e também estamos longe de saber se essa é a sua vontade. Vamos aguardar.
Sentiu no último congresso do PSD uma viragem à direita?
No tom político. Já o tinha visto nos incêndios quando o Primeiro-Ministro fala da criação de equipas especiais de investigação das causas dos incêndios, é uma cedência à demagogia e ao discurso populista. Vimos-no agora também, nestas opções, em relação à segurança e em relação aos imigrantes. Do meu ponto de vista, é uma cedência à demagogia e ao populismo que deve evitar. Onde foi mais longe? Foi na questão da disciplina de cidadania. Por um lado, diz que quer aprofundar e alterar os conteúdos de cidadania, mas, ao mesmo tempo, diz que quer respeitar os valores constitucionais. Não podemos transformar um caso de duas ou três famílias que estão descontentes, nomeadamente com os conteúdos da sexualidade e da educação sexual.
Acha que este discurso do primeiro-ministro liberta de algum modo o PS?
Tenderá a fazê-lo. O caminho que o Governo fizer vai abrir espaço naturalmente para que o Partido Socialista possa afirmar a sua alternativa. Um dos exemplos é o que o Governo assumiu em relação à RTP. Se o Governo quer alterar os termos de financiamento da RTP, deve fazê-lo no quadro do contrato de concessão. E se quer limitar o recurso à publicidade libertando esse mercado para as televisões privadas, então deve financiar esse serviço público