O topo da Segurança Interna “não está na sua plenitude”

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O deputado do PS, ex-ministro da Administração Interna, diz que é “incompreensível” que o primeiro-ministro ainda não tenha nomeado o secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, que saiu em julho, e que mantenha “periclitante” a nomeação do diretor nacional da Polícia Judiciária

(entrevista originalmente dada ao jornal Expresso a 24 outubro 2024)

José Luís Carneiro não quer tecer críticas à sua substituta na Administração Interna, mas atira à responsabilidade do primeiro-ministro de nomear os mais altos responsáveis pela Segurança Interna e articulação entre polícias.

Numa semana marcada por tumultos nos bairros da periferia de Lisboa, o ex-ministro da Administração Interna diz que deve haver mais comunicação para garantir a “tranquilidade” das populações e insinua que esta é uma área em que o PS tem de apontar a “incompetência” do Governo.

Esta semana morreu um homem baleado por um agente da PSP. Não temos um problema com a nossa polícia?


Há que aguardar pelas conclusões do inquérito e garantir que se faz justiça. Há que esperar para evitar juízos precipitados sobre a atuação das forças policiais. Queria deixar os meus mais profundos sentimentos à família da vítima, aos seus familiares e amigos.

Isso não é uma desculpa para nunca se falar sobre os problemas da PSP? Até pode ser desligado deste caso, da sua experiência como ministro da Administração Interna, temos ou não problema com racismo e filtração da extrema-direita, problemas na PSP que deviam ser atacados?


Em 2022 e 2023, houve mais de 80 expulsões quer da Polícia de Segurança Pública, quer da Guarda Nacional Republicana. Isto significa que há problemas, pois foram expulsos. Se esses problemas são estruturais? É uma avaliação que tem que ser feita com profundidade e o inquérito que foi desenvolvido pela Inspeção-Geral da Administração Interna, por minha determinação, quando ocorreram as notícias públicas do uso de redes sociais para a propagação de mensagens de ódio, esse inquérito chegou à conclusão de que havia 14 deduções de acusação e de assunção de responsabilidades. Mas estamos a falar de 43 mil elementos das forças de segurança. Diz-me a experiência que há dimensões complexas nas forças de segurança, mas que constituem uma minoria numa ampla maioria. E é preciso aguardar pelo inquérito para saber em que termos é que o uso da força foi feito.

Há uma coisa que sabemos, que o polícia envolvido era um jovem, com muito pouca experiência. Acha que, numa gestão de ativos da PSP, a polícia deveria evitar pôr pessoas com menos experiência em zonas mais perigosas ou com mais tendência ao conflito?


Essa é uma dimensão de natureza operacional e é uma competência do Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública.

A minha pergunta é geral: nas zonas mais preocupantes não devíamos ter a nossa polícia mais experiente?


Há até forças especiais e equipas mistas que são constituídas para atuar em contextos especiais de complexidade criminal. Agora, a resposta estrutural para esses problemas está na Estratégia Integrada de Segurança Urbana que foi aprovada no meu tempo e que estabelece não apenas a dimensão proactiva social como uma proactiva operacional para responder estruturalmente a esses problemas. Isto é o chamado incidente com efeito de rastilho.

Teme que piore durante esta semana?


O Serviço de Segurança Interna (SSI) reuniu para avaliar os termos em que os incidentes ocorreram e como se estenderam a outros territórios. Só a ministra da Administração Interna pode responder a essa pergunta. Não pode haver territórios onde a autoridade do Estado não seja administrada. Porque essa é a garantia dos direitos, das liberdades fundamentais de todos os cidadãos que vivem nesses territórios. E é preciso avaliar os termos em que a autoridade foi exercida para verificar se ela teve legitimidade, se ela foi adequada e se ela foi proporcional. Neste caso, o trabalho das autarquias é importante a vários níveis, porque trabalham nos contextos de maior complexidade e atuam na integração, da realização de sociedades mais plenas é que é possível encontrar soluções duradouras e estáveis para estes fenómenos que agora é este e que no futuro poderão ser outros.

Fala-se muito de perceções. Não corre a ideia que a PSP tem posto em causa o seu prestígio?


Temos de olhar para os números e para os indicadores da realidade. E, se olhar para os indicadores da realidade, nomeadamente para as inspeções da Inspeção Geral da Administração Interna, o que se nota é que tem havido melhorias. Mas também se nota outra dimensão. É que tem havido resistência à autoridade cada vez mais regular em determinados contextos. É necessário olhar para as duas dimensões do mesmo problema. É evidente que, em circunstância alguma, as autoridades podem usar de forma abusiva, desproporcional ou inadequada, do uso da força.

O Governo está a falhar neste papel?


Tendo sido ministro da Administração Interna, temos um período de nojo que deve ser respeitado. Tudo o que contribua para informar, esclarecer e tranquilizar a opinião pública, é adequado.

Portanto, a senhora ministra devia falar mais?


Não querendo formular qualquer crítica, porque não o devo fazer, tendo em conta as funções que desempenhei, digo que nestas funções de soberania, e cada vez mais, é muito relevante manter o nível de informação, de esclarecimento e de comunicação, eventualmente criando uma equipa específica para esse fim, para dar tranquilidade pública às populações.

Tem havido um défice de comunicação da MAI com o país?


É preciso conhecer se é apenas uma questão de comunicação ou se é alguma questão mais estrutural.

Ou seja, de competência?


É preciso avaliar, porque, nestes episódios que aconteceram agora, só a PSP e os outros órgãos de Polícia Criminal poderão explicitar como é que aquele contexto se expandiu. Admito que não haja ainda informação adequada para poder explicar. No que for possível explicar, esclarecer, julgo que o próprio Sistema de Segurança Interna, quando ganha dimensão interterritorial e intermunicipal, pode ter aqui um papel importante no esclarecimento e na informação. É por isso que eu considero incompreensível como é que, nesta altura, ainda não temos um secretário-geral do Sistema de Segurança Interna.

Ainda não foi nomeado…


O embaixador Paulo Vizeu Pinheiro saiu em agosto e até agora ainda não temos um secretário-geral do Sistema de Segurança Interna.

É imputável ao primeiro-ministro?


É por isso que considero incompreensível..

Também ainda não se sabe se o diretor da PJ continua…


Considero incompreensível como é que neste momento, ainda se tem numa situação periclitante o diretor do órgão de polícia criminal que trata da complexidade e da criminalidade mais complexa. Agora vamos ter a oportunidade, no tempo oportuno e adequado, de fiscalizar e fazer o escrutínio do Governo, de formular o nosso pensamento crítico sobre a forma como o Governo está a atuar em várias áreas. É que há muita incompetência em várias áreas que tem de ser objeto de escrutínio

Por isso está na hora de o PS fazer oposição?


Neste caso, são no âmbito de funções que dependem diretamente do primeiro-ministro. Não é compreensível que o secretário-geral do Sistema de Segurança Interna tenha comunicado em julho que iria sair para uma missão internacional [representação de Portugal na NATO] e, de julho até outubro, não se tenha encontrado alguém para o substituir, numa função que é a mais relevante da articulação entre os diferentes órgãos de polícia criminal e entre as diferentes funções de soberania, entre Administração Interna, Justiça e Defesa Nacional.

Temos a cúpula da segurança interna sem cabeça, sem estrutura? Não estão condicionados?


Diria que não está na sua plenitude.

Estas coisas acontecem também por défice de capacidade do PS de se fazer ouvir e que agora é altura de o PS fazer oposição?


O Governo devia ter ouvido o líder do PS nas opções que teve, para a Procuradoria Geral da República e também para o Tribunal de Contas.

Tem sentido a incapacidade de o PS se fazer ouvir?


Para que o PS se faça ouvir, é preciso que o Governo tenha também a humildade democrática por um lado não fustigar o PS, como o fez nas jornadas parlamentares e como o fez no debate parlamentar. Agora vamos entrar numa fase mais contundente de oposição em relação ao Governo porque já vão vários meses e é preciso olhar para as políticas e concentrarmo-nos nas políticas e nas opções de política de Governo.

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